Sou de raciocínio lento e por consequência, em ocasiões cabíveis, tenho respostas tardias. É como resultado de tal característica que surge e esboço o presente texto e reflexão.
Estava eu, com alguns colegas padres, num determinado local de propriedade de pessoas evangélicas (popularmente ditas “crentes”). Versículos bíblicos, estampados em grandes placas, fazem parte da bela paisagem. Após cada citação, em letras garrafais, registra-se: “Jesus é fiel”.
Ali, ante o contexto descrito, eu declarei ter composto um hino chamado “Pastor fiel”. Dentre os colegas um reage desaprovativamente: “Parece coisa de crente”.
Já revelei que meu raciocínio anda a passos lentos. Na hora exata então, embora com uma dose de estranheza na alma perante a reação do colega, eu não esbocei opinião; não elaborei nem externei reflexão. Só depois, muitas horas depois, com o pensar em movimento, eu imaginei algo que poderia ter sido apropriado como resposta ao meu irmão presbítero.
O que me ocorreu? Que percepção pude ter a partir da postura do colega e que reflexão nos podemos por a partir dela?
Faz poucos dias, nossa liturgia católica focalizou e rezou a figura do “bom pastor” (Jo. 10). Daí, inclusive, surgiu o meu hino “Pastor Fiel”. O que se nos demonstra, então? Que os conceitos utilizados (“Jesus é Fiel”, “Pastor fiel”), são patrimônio comum aos crentes e católicos. Ambos dizemos, em muitíssimas matérias, as mesmas coisas. Por que a divergência? Apenas por que determinado feito não partiu de minha cabeça ou de minha igreja? Em assim sendo, estaríamos nos movendo por ciúme e competição?
No andar da imaginação, lembrei-me de uma cena envolvendo o “Pastor fiel” e seus discípulos. Trata-se da ocasião em que um do seu grupo comunica-lhe a proibição imposta a alguém que fazia cura de maneira avulsa. Por não integrar o grupo dos doze, a pessoa foi interditada. Diante do comunicado centralizador e ciumento, qual foi à resposta do Mestre? Ele, proibindo a proibição, afirmou: “não proíbam, pois quem não está contra nós, está a nosso favor” (Mc 9, 38-40).
O explicitado, numa breve autocritica, toca “meu” catolicismo. Diz algo das nossas posturas em relação aos “evangélicos”. Mas e estes em relação a nós? Se nos perguntarmos e investigarmos suas posturas em relação aos católicos? Inegavelmente, com as devidas exceções, identificaremos inúmeras atitudes hostis e preconceituosas…
Os fatos, portanto, olhando sem meias verdades, comprovam preconceitos mútuos e revelam muros que separam integrantes de uma mesma religião e discípulos de um só Senhor. Separados, consequentemente, enfraquecemos na tarefa de anunciar a pessoa de Jesus ao mundo. E o mais grave: impedimos a concretização de mais um desejo dEle para a vida e conduta de seus discípulos. O Mestre, antes de deixar este mundo, rezando ao Pai, pede: “que todos sejam um… afim de que o mundo acredite que tu me enviaste. Sejam perfeitos na unidade…” (Ver Jo 17, 21-23).
É forçoso e doloroso reconhecer que acima dos princípios e dos caminhos apontados por Jesus, nós ainda deixamos prevalecer nossos instintos egoístas. Daí, defendendo interesses menores, nos damos ao “luxo” de viver divididos e recusando enxergar valores uns dos outros. O anúncio do Evangelho perde em eficiência, credibilidade e abrangência. Com isso retarda-se a edificação do Reino de Deus e a instauração do “novo céu e nova terra”. E fica evidente a cumplicidade do cristianismo no pecado da humanidade. Esta, debate-se na areia movediça de conflitos, ódios raciais, guerras, genocídios… Em meio a tão graves tragédias descumprimos a vocação de sermos “sinal profético de unidade e de paz” (Oração Eucarística VI – A).
O que nos resta? Se reconhecemos a seriedade e responsabilidade de nossa vocação cristã temos, decorrentemente, duas atitudes a adotar. Uma, é pedir perdão por nossa infidelidade. E a outra é conservar uma postura de humildade quando tivermos que questionar e propor ao mundo algum tipo de mudança e abandono do erro. Vendo em nós sinceridade e busca de coerência, talvez o mundo se deixe atrair por nosso testemunho. Não seremos fermento vencido nem sal digno apenas de ser pisado pelos homens. E Deus será de fato honrado e engrandecido por nossas boas obras (Ver Mt 5, 13-16).
(Pe. Aldenor – 26/04/2016)