Dia 26 do mês em curso eu estava em viagem de Monsenhor Tabosa para Fortaleza. Numa altura do percurso, entram no ônibus em que eu viajava um casal e duas crianças, menino e menina. A mulher e o homem são jovens, bem jovens. Ela senta de um lado do corredor com a menininha, enquanto que o homem senta ao meu lado, com o menino.
Olho para os dois e algo me inquieta. Percebo uma frieza do homem para com a criança. Esta senta sobre uma das pernas do adulto e desajeitada escorrega de um lado para o outro, tentando apoiar-se, até que recosta seu corpinho no corpo do homem. Este, porém, como era de se esperar, não segura a criança, não a abraça. “Que estranho”. Penso comigo mesmo.
O ônibus prossegue. Em certa altura passa ao lado de uns postes de iluminação e o menininho (informo que com idade de uns 3 anos) parece dizer algo que mostra pensar que os postes estão se movendo. E o homem, para aumentar minha inquietação, diz: – Bocó! Quem tá se mexendo é o ônibus! Eu, então, decido entrar na história. Pergunto ao homem: – Ele é seu filho? Com uma resposta que esclarece tudo o homem balbucia: – É enteado.
Fiquei um pouco em silêncio. Depois retomei: – Posso ser sincero com você? Seguindo o “pode” daquele padrasto eu continuei: – Notei sua frieza com a criança. Acredito que não é fácil ser carinhoso com quem não é filho… Mas pense como é doloroso para a criança não ter o amor e o afeto de um pai…
Novo silêncio ocorre. Agora um tanto prolongado. Fico inseguro quanto a conveniência de continuar questionando ou interrogando aquele camarada. Mas sinto que não posso me omitir e aí prossigo: – Há um ditado, rapaz, que diz que a pessoa colhe o que planta. Pois não deixe de cuidar bem do seu enteado. Você não vai se arrepender. Um dia, quem sabe, ele irá cuidar de você…
Poucos instantes depois o casal levanta com as crianças. É sua hora de descer do ônibus. E o homem, a quem eu inicialmente tivera o receio de ofender e aborrecer, volta-se para minha pessoa e diz: – Obrigado pelo conselho.
Passada a referida situação, com o ônibus em movimento e em movimento também meu pensar, ocorreu-me ainda uma breve reflexão. Pensei que se deve decididamente buscar usar das oportunidades à nossa volta para entrar e tocar a vida das pessoas, para oferecer-lhes uma luz em meio aos dramas de suas existências. Sei que não é todo dia que iremos encontrar acolhida e escutar um “obrigado pelo conselho”. Mas precisamos estar dispostos e tentar.
Pensei também na gravidade das “uniões de experimento”, dos “casamentos descartáveis”. Como trazem consequências desastrosas e traumáticas! Dessas situações resultam filhos órfãos de carinho, mal amados e, por consequência, com sentimentos de falta de sentido para suas vidas. Tal realidade, embora não seja a causa única, é também motivo da selvageria e da violência desenfreadas que invadem a sociedade atual. Assim como a presença do amor é causa de almas e pessoas maduras e equilibradas, a falta dele é motivo de personalidades doentes, desordenadas e com forte poder destrutivo.
Por fim, concluindo esta partilha e preocupação diante das desestruturações familiares, deixo uma interrogação aos leitores: – O que é possível fazer para curar as feridas da falta de amor em tantos corações e relacionamentos humanos?
Pe. Aldenor – 31/08/2016