Crateús-CE, 18 de novembro de 2016
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Ao povo cristão católico de Crateús; a todos os homens e mulheres de boa vontade, bem como aos cidadãos (ãs) crateuenses, a minha saudação respeitosa e fraterna.
Há dois anos e dez meses, cheguei a esta cidade sede da Diocese de Crateús com a missão, a mim confiada pelo Papa Francisco, de pastorear esta porção do rebanho de Cristo. Vim com minha força e minha fraqueza, trazendo muita humildade no coração, traço herdado de minha família interiorana. Desta mesma origem, herdei um grande amor pela Mãe Igreja, que me levou ao serviço na Comunidade eclesial de Base e, mais tarde ao ministério sacerdotal (diaconal, presbiteral e, agora, episcopal).
Mãe é uma “instituição” sagrada. Nada mais doloroso do que ter a nossa mãe ofendida, mesmo que essa mãe não seja a mais santa do mundo. É bom lembrar que, se nossas mães têm rugas no rosto é porque nós, os filhos, as fazemos enrugar.
Por que estou a dizer isto? Povo de Crateús e outras cidades, ovelhas deste rebanho de Cristo, nossa Mãe Igreja foi ofendida, agredida por um dos vereadores, que é também locutor de rádio, no dia de ontem (16/11). E como é um formador de opinião, esta agressão está se multiplicando pela cidade, nos lábios de pessoas que estão sendo enganadas, com a nítida intenção de se desviar o foco da verdadeira questão. Como o meu nome e o nome do Padre Antônio José, o nome da Igreja estão nos microfones das rádios, creio que também posso nomear o mesmo vereador como sendo o Sr. Manoel Cunegundes Soares. Ele, e possivelmente outros envolvidos nas discussões acerca do repasse de recursos públicos da Prefeitura Municipal à Câmara dos Vereadores, tomaram como ofensa pessoal, aquilo que o bispo disse, em carta dirigida aos vereadores no dia 04 de novembro de 2016, acerca do ato público, jurídico daquele colegiado, que aumentava ainda mais o salário dos vereadores, prefeito, vice-prefeito, secretários etc para a próxima legislatura – 2017 a 2020.
Classifiquei, sim, de “imoral” esta ação pública de nossos vereadores, que embora sendo legal do ponto de vista jurídico, é imoral, sim, do ponto de vista da justiça social, da ética, levando-se em consideração uma série de situações sociais da nossa realidade de Brasil, de Nordeste e de Sertão, sobretudo neste momento, agravadas por uma crise ética, política, econômica sem precedentes e assoladas, em nosso caso, pela pior seca dos últimos 100 anos, segundo especialistas dessa área.
Diante desta triste realidade do nosso povo, como justificar tal ato pela via da legalidade apenas? Nem tudo que é legal é moral. E é neste sentido que denuncio. Não é porque há uma lei que me ampara legalmente, que posso me dar ao direito de fazer o que quero. Há que se perguntar se a minha decisão não afeta a vida, a dignidade, o direito dos demais cidadãos. A moral pede que façamos aos outros, aquilo que gostaríamos que nos fizessem. A moral faz pensar no outro e não primeiramente em mim. E neste caso específico do repasse do montante dos recursos públicos do município para a Câmara municipal, para a manutenção dos 15 vereadores e das demais despesas da casa, e do aumento de seus próprios salários, que já são bastante altos para a nossa realidade é extremamente injusto. E desde quando um ato de injustiça é moral? E o que nos deixa ainda mais indignados é que isso tenha partido de pessoas que o eleitorado acreditou que iriam representá-lo com justiça. Será que, se os candidatos, em sua campanha, dissessem que iriam aumentar ainda mais seus salários, teriam recebido os votos que receberam?
Tentar justificar seu ato, que, do ponto de vista da justiça social, chamei de imoral, agredindo a moralidade da Igreja me parece descabido. E digo mais: se uso como argumento, as falhas do vizinho para justificar as minhas, onde está a minha moralidade? Não ataquei a vida subjetiva, pessoal de nenhum de nossos vereadores. Referi-me a um ato jurídico, público, que diz respeito a todos os cidadãos deste município, uma vez que se trata do uso do dinheiro do povo.
A Igreja tem, sim, suas mazelas, suas rugas que, como filhos que somos dela, deixamos em seu corpo eclesial. Não negamos isto. E quando necessário, nossos fiéis ou pastores, envolvidos em escândalos são questionados, afastados, respondem processos como qualquer outro cidadão. E por que nossos vereadores não querem ser questionados acerca do uso do dinheiro dos contribuintes? Por que deveríamos nos calar?
Repudio, portanto, esta atitude do Sr. Vereador envolvido neste episódio, atacando a moralidade da Igreja, para justificar medidas descabidas na Câmara Municipal. A Igreja de Crateús, na pessoa de Dom Fragoso, Dom Jacinto, de seus padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas tem provado e comprovado seu compromisso de defesa da justiça, de compromisso com os direitos humanos e promoção da vida, sem negligenciar sua função espiritual, mesmo porque não existe espiritualidade desencarnada. O Papa Francisco tem nos lembrado de que é necessário “tocar a carne sofredora de Cristo” (Visita ao Hospital São Francisco, Rio de Janeiro, 2013), numa referência explícita aos mais sofridos do nosso povo.
Quando convém aos poderes públicos esta mesma Igreja é procurada, aplaudida, elogiada; quando mexe em seus privilégios, sobretudo no bolso, essa mesma Igreja é atacada, agredida, difamada.
Quanto a mim, terceiro bispo desta Diocese, não sou partidário desta ou daquela corrente política ou ideológica. Sou, acima de tudo, um homem de fé, e é isto que me move. Por isso, repito aquilo que se grita nas ruas: “Povo unido, não precisa de partido”. Como pastor e cidadão, não preciso ancorar-me nesta ou naquela corrente política ou ideológica; basta-me a minha fé, minha consciência política e cidadã, que não é mercadoria de compra e venda, para agir e tomar posição. Acho ótimo que o povo esteja se manifestando publicamente. Oxalá esse movimento tome as ruas e praças do país. E nós, crateuenses, nos orgulharemos de ter estado entre os primeiros a iniciá-lo. Chega de injustiças!
Não obstante a tudo isso, não obstante à minha indignação, jamais preguei ou pregaria qualquer ação violenta, assim como repudio este tipo de ação, venha de quem vier, pois sou bispo da Igreja e tenho consciência de minha função que é aquela de zelar pela unidade do rebanho. Mas o berro das ovelhas tem de ser ouvido pelo pastor e pelos dirigentes da sociedade. Ademais, esta não é uma manifestação da Igreja Católica, embora conte com o apoio do bispo e de outras tantas lideranças e fiéis.
Finalmente, quero dizer aos nossos vereadores e demais autoridades locais, que não precisamos esperar que o Senado, a Câmara Federal, Assembleia Legislativa e outros Poderes da República comecem de cima para baixo uma política salarial mais justa. É do alicerce que se começa a construir a casa e não da cumeeira. Podemos, sim, começar a partir de nossos municípios, por que não? Só assim, as mudanças chegarão às instâncias superiores. O contrário, nunca se fará realidade. Vamos dar o exemplo!
Gostaria muito que isso fosse compreendido e colocado em prática. Não tenho prazer nenhum em alimentar disputas. Rezo para que se chegue a uma decisão de justiça e de paz. Afinal, presido, na diocese, a Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
Com respeito a todos (as),
Dom Ailton Menegussi