Assim como os acontecimentos mais importantes das nossas vidas podem ser descritos de várias formas, embora nenhuma destas defina totalmente o que sucedeu, a XIII Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos territórios Inhamuns e Crateús também pode ser descrita por muitas memórias, muitos abraços, muitos encontros e reencontros, muitos versos e acordes, muitos sabores do Sertão, pela ornamentação que nesta edição deu um salto de qualidade, etc., sem nada disso conseguir descrever com plenitude tudo que foi visto, ouvido e sentido pelas cerca de 20 mil pessoas que participaram nas noites de 01 e 02/06, na praça Gentil Cardoso, Crateús-CE. Mas talvez o maior símbolo deste evento seja o milagre da ciranda de mais de 20 organizações, da dedicação de aproximadamente 100 voluntárias e voluntários, a serviço de cerca de 300 feirantes, numa união entre campo e cidade capaz de constar no calendário oficial de delegações de todas as regiões do Brasil, mesmo sendo realizado no coração do Sertão cearense, longe da badalação do litoral nordestino.
Se a gente for tentar contabilizar só as pessoas que fazem a Feira acontecer para o grande público na praça, somando participantes de intercâmbios, oficinas, artistas populares, feirantes, voluntárias e voluntários, agentes de organismos da sociedade civil, dos poderes públicos das três esferas, só aí temos cerca de 1.200 pessoas envolvidas diretamente na Ciranda que é a Feira de Crateús. É revolucionário realizar uma ação coletiva como esta num país cujo Poder Executivo e o Congresso Nacional, ambos majoritariamente corruptos, aprovaram a PEC 55, estão pautando as Reformas da Previdência e Trabalhistas, além de outras medidas que visam reduzir investimentos em questões sociais essenciais como saúde, educação e previdência, mas não faz qualquer esforço para taxar as grandes riquezas, não se propõe a fazer uma auditoria cidadã da Dívida Externa e dá quase a metade do que a classe trabalhadora produz anualmente para pagar banqueiros, fazendo, assim, os mais pobres pagarem preço da crise que as elites mundiais criaram. Como alternativa às mazelas produzidas pelo capitalismo, Crateús sediou uma atividade onde o lucro não é o item mais importante, em que cooperar importa mais que competir, onde não há exclusão e sim inclusão, onde as trabalhadoras e os trabalhadores são protagonistas.
“Hoje no Brasil nós temos duas belíssimas experiências de feira de economia solidária, lá em Santa Maria-RS e em Crateús-CE. Este evento aqui mostra a firmeza e a resistência do nordestino”, declarou Dom João Costa, arcebispo da Arquidiocese de Aracaju e presidente da Cáritas Brasileira. Segundo ele, essas várias experiências da agricultura familiar, que dão ótimos resultados mesmo com pouca água, mostram a criatividade e a força de um povo que consegue superar os desafios. “Nós observamos que já estamos vivendo longos anos de seca, mas a agricultura familiar continua produzindo, faça chuva ou faça sol. A agricultura familiar está de parabéns”, comemora Maria de Fátima Gomes, presidenta do STTR de Crateús. Um dos princípios da Feira de Crateús é garantir que pelo menos 50% do que é comercializado seja da Agricultura Familiar, e nesta edição foi cerca de 70%, pontuou irmã Francisca Erbênia Sousa, coordenadora da Cáritas Diocesana de Crateús, que compõe a coordenação geral da Feira juntamente com o Instituto Federal de Ciência e Tecnologia (IFCE) – Campus Crateús, Ematerce, Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Ceará (Fetraece) e Prefeitura Municipal de Crateús.
AS VÁRIAS FACES DE UMA FEIRA
Segundo Alessandra Miranda, da coordenação colegiada do Secretariado Nacional da Cáritas Brasileira, a Feira é mais do que um evento na praça, ela também é a integração entre os povos, ludicidade, cultura, espaço de formações e debates. Essa foi a tônica dos dois encontros nacionais promovidos pela Rede Cáritas: II Encontro das Mulheres do Semiárido Brasileiro e Encontro Nacional de Fundos Rotativos Solidários, que aconteceram nos dias 31/05 e 01/06, no IFCE – Campus Crateús. Durante todo o dia 02/06 também houve muito espaço para estudos e trocas de conhecimento durante os intercâmbios e as oficinas realizadas em Crateús. Na sede do Instituto Federal foram realizadas oficinas de Defensivos Naturais, facilitada pela Escola Família Agrícola Dom Fragoso; Linhas de Crédito da Agricultura Familiar, com foco nas Energias Renováveis, facilitada pelo Banco do Nordeste; Beneficiamento da Produção Agrícola, sob a responsabilidade do IDEF e da agricultora experimentadora Maria de Jesus; Arte e Cultura, promovida pelo Templo da Poesia; Seminário sobre a importância da agricultura no contexto atual, realizada pela Secretaria de Agricultura de Tamboril; e Oficina de Piscicultura, executada pela Ematerce.
Também foram realizados seis intercâmbios, ambos com tema gerador “Soberania e Segurança Alimentar”, sendo eles: com foco na Pedagogia da Alternância, acolhido pela EFA Dom Fragoso; com foco no Sistema de Produção Familiar Integrado ao Sistema Bioágua, experienciado na comunidade Caeiras, e na creche “Estrelinha”, município de Quiterianópolis; com foco na Educação Contextualizada e no Empoderamento Feminino, recebido pelas comunidades Irapuá, em Nova Russas, e Bom Jardim, Tamboril; com foco no Beneficiamento de Caprinos, realizado nas serras da comunidade Viração, Tamboril, e Tourão, Monsenhor Tabosa; com foco no Sistema Produção Familiar Integrado ao Sistema Mandala e a relação com a Educação Contextualizada, recepcionado pelas comunidades Veremos, em Ararendá, Mundo Novo e Santa Tereza em Ipaporanga; e com foco na preservação do bioma Caatinga, na Serra das Almas, Crateús. A realização de tais atividades responde ao anseio de conhecer melhor a região por parte das delegações advindas de 14 estados e de outras 12 cidades para além dos territórios Inhamuns – Crateús. Foi também oportunidade de conhecer de perto como é possível produzir durante o ano todo no Semiárido, tornando possível a realização de uma Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária desse porte.
BALANÇO DA FEIRA
Segundo o segurança Maycon da Silva, que participa há cinco anos, este ano pareceu tudo melhor organizado e mais bonito. “É tudo muito simples, mas ao mesmo tempo moderno e acolhedor”, resumiu. Já a feirante Antonieta de Sousa disse que todos os anos vende bem, mas o mais importante na Feira é participar de tudo, dos intercâmbios, das assembleias de preparação, Assembleia das/os Feirantes, e poder conhecer outras pessoas, outras possibilidades. “Eu vou a outras feiras, a nível estadual, em outros espaços, mas nenhum lugar trata os feirantes como somos tratados aqui. A gente não paga pelo transporte, pela alimentação, a organização se preocupa em dar café, cadeira pra gente sentar. Aqui a agricultora se sente rainha”, avaliou. João Evangelista, da Cáritas Regional Piauí, que participou do Encontro Nacional de Fundos Rotativos Solidários e do intercâmbio em Quiterianópolis, disse que adorou participar pelo terceiro ano consecutivo “por ser um conjunto de possibilidades, de geração de renda, de partilhas a partir da Feira, potencializando a organização das famílias que fazem a produção, que se articulam localmente e mais amplamente, com essa possibilidade da produção de alimentos que faz com que a Segurança Alimentar seja realmente efetivada com essas famílias”.
Por Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús.