4 de outubro de 2024

Como podemos crescer na fé, esperança e caridade?

Deus nos auxilia no processo de crescimento da fé
Neste nono artigo da série Caminho Espiritual e as Moradas, vamos analisar o segundo modo que Deus intervém em favor da nossa santificação, utilizando-se da graça santificante.

Vimos, nos artigos anteriores, que a santidade é um desejo de Deus para todo ser humano, e que os santos e a Igreja conseguiram discernir uma rota clara de santificação pessoal. Esse caminho espiritual recebe inúmeros nomes e divisões, e alguns deles são utilizados nesses artigos. Assim, estamos analisando as primeiras moradas (de um total de sete, segundo Santa Teresa de Jesus), que são uma pequena parte da Via Ascética. Essa é a fase da vida espiritual em que é preciso destruir tudo o que resta do “homem velho”, que ainda habita em nós (Ef 4,22), e investir na presença real de Deus, que cria uma estrutura ou organismo espiritual totalmente novo.
Esse organismo, recebido no batismo ou quando se abandona os pecados por meio do sacramento da reconciliação, chama-se “graça habitual” ou “graça santificante”.

As virtudes infusas e os dons espirituais
A graça santificante de Deus age, principalmente, de dois modos: infundindo (colocando dentro da alma) virtudes e dons espirituais. Diz-se “infundidas” ou “infusas”, pois, de nenhuma forma e com esforço algum, o ser humano pode alcançá-los por si mesmo. Deus precisa infundi-los, e a graça ou o amor de Deus é a maneira como isso é feito. À medida que se avança nas moradas e corresponde-se, cada vez mais, ao amor de Deus, essas virtudes e dons crescem e se desenvolvem. Então, que fique claro: não temos capacidade de adquiri-las por nós mesmos, mas temos o dever de trabalhar para que elas se desenvolvam em nós e aumentem, cada vez mais, como na parábola dos talentos (Mt 25,14).

Por que essa diferença entre virtudes e dons? As virtudes são hábitos que predispõe o homem a agir de acordo com a vontade de Deus, tendo Ele mesmo como meta. Consegue-se, assim, ter força para se buscar o bem e evitar o mal. Os dons são mecanismos que permitem a Deus agir em cada um, impulsionando rumo ao bem com clareza e movendo a inteligência e/ou a vontade. É óbvio que esse movimento é suave e não viola a liberdade humana, sendo necessário que cada um o acolha e dê livre vazão para que possa acontecer. São as chamadas “inspirações” de Deus.

Quanto às virtudes infusas, segundo Santo Tomás de Aquino, são inúmeras (STII-I Q63A3), mas nos deteremos a examinar as três principais que dizem diretamente ao desenvolvimento do caminho espiritual, as virtudes teologais: fé, esperança e caridade.

A primeira Virtude Teologal que Deus suscita com a graça, e o ser humano precisa acolhê-la e desenvolvê-la, chama-se fé. Ela trabalha sobre a inteligência humana, fazendo com que possamos conhecer Deus e aceitar Sua revelação. Para ser bem direto, nas primeiras moradas, nossa obrigação é nutrir e fomentar a nossa fé ao máximo. Padre Antônio Royo Marín, OP, orienta esse começo de forma bem prática:

Pedir a fé em oração
Essa é a oração que Deus nunca nega (2Cr 7,14). Como toda virtude “infusa”, ou seja, dada por Deus, Ele pode a conceder cada vez mais e sem limites. Deve-se pedir a virtude da fé com a coragem e a confiança de que a receberá. Faça isso parte da sua oração cotidiana sempre.

Aumentar o conhecimento de Deus e das coisas de Deus
Se a fé trabalha na inteligência, quanto mais procurarmos conhecer sobre Deus, mais ela se desenvolverá. Assim, é necessário estudar as verdades de fé no Catecismo da Igreja Católica, entender os ritos e sacramentos dos quais se participa ou usa, ou seja, aumentar a cultura religiosa, estudar a vida dos santos que são exemplos reais e concretos de fé que nos engrandece e estimula.

Fugir das ocasiões e perigos para a fé
Na via ascética, ainda se é como criança na vida espiritual, não existe força suficiente para combates. Fuja! Livros impróprios, filmes ou séries que falam mal da nossa fé e da Igreja, não acrescentam nada. Pelo contrário, diminuem a nossa fé, a estragam e combatem. São argumentos mentirosos, mas trabalhados com maestria para enganar. Acredite, não vale a pena experimentar veneno para ver se morreremos ou só passaremos mal. As consequências são desastrosas.

Realizar atos de fé
Diga a Deus que acredita! Devolva a Ele, com sua vontade, aquilo que você rezou, meditou e acolheu no coração. Não é possível realizarmos atos de fé se Deus mesmo não os sustenta. Assim, ao realizar um ato de fé, sabemos, com certeza, que estamos em contato com Deus e que Ele está aumentando sua presença em nós por meio da graça santificante.

Trabalhando a fé, o conhecimento que se adquire das verdades espirituais faz com possamos desejá-las e com que a segunda virtude infusa comece a se desenvolver: a esperança. De fato, Santo Tomás de Aquino explica que a fé sucede a esperança e a esperança gera a caridade (ST II-I Q62A4).

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Nas primeiras moradas, precisa-se fortalecer a esperança desenvolvendo um olhar voltado para o alto, colocando as realidades materiais e a vida natural no seu devido lugar e importância. Assim, deve-se desprezar as honras e glórias da terra, sabendo que tudo aqui passa, e o que permanece precisa ser trabalhado. Precisamos nos consolar nas dificuldades, limitações, doenças, sabendo que Deus tem um projeto de felicidade eterna para cada um, se nos esforçarmos, ao nosso alcance já neste mundo. E, se nos animamos a sermos bons, praticar o bem e construir, à nossa volta, um mundo melhor e mais agradável aos irmãos, isso também colabora para o crescimento da nossa virtude da esperança.

Desespero e presunção
Além desses princípios, o principal esforço para desenvolver a esperança é o combate dos dois pecados que se cometem contra essa virtude: o desespero e a presunção. O desespero nos diz que não dá para ser santo, não dá para ser melhor, não dá para se dedicar à vida espiritual. A presunção nos engana ao nos dizer que é fácil.

“Se Deus é bom, ninguém vai para o inferno, não é necessário se esforçar. Se eu não cometo nenhum crime contra a humanidade, não prejudico a sociedade, não há porque me preocupar com meus pecados.”

Dois enganos terríveis tem origem na descrença. Primeiro, na descrença de que Deus é bom e providente, por isso pode ajudar a todos e a cada um a ser melhor; depois de que Deus é justo e não pode tratar da mesma forma aquele que se arrepende e o que é duro de coração.

O desespero, que acaba com a virtude da esperança, tem raiz em dois pecados: a acídia, ou preguiça espiritual; e a luxúria, ou o amor a tudo o que é material. À medida que não se desenvolve a vida espiritual (acídia), perde-se o foco para o sobrenatural e a vida eterna (esperança). A partir disso, a consequência natural é valorizar e priorizar o material como se fosse o único necessário (luxúria). Não estranhe, o termo luxúria, hoje comumente aplicado somente ao desregramento sexual, era tido pelos santos padres do deserto, nos primeiros séculos, como o pecado que gerava a supervalorização de todo tipo do material, não só do sexual.

Já a presunção, que também destrói a virtude da esperança, tem sua raiz nos pecados da soberba e da vanglória. A soberba diz que sabe mais do que Deus, e a vanglória que merece ter sempre o bom e o melhor, não importando como se aja. Assim, aqueles que não seguem os mandamentos de Deus e da Igreja, que se acham bons cristãos, mas “não concordam” com isso ou aquilo, porque a Igreja “precisa se atualizar” ou “não entende”, são cheios de soberba e sem nenhuma esperança verdadeira. Do mesmo modo, os que, embora não se achem melhor do que ninguém, também não acreditam que a vida que levam é um passo certo para o inferno, estão cheios de vanglória. Por isso, é fundamental acabar com esses quatro pecados, para que possamos iniciar o desenvolvimento da esperança.

Viva e exercite a esperança
Sem a virtude da esperança cultivada, não existe caridade em nós. A virtude teologal da caridade pode ser resumida como o amor a Deus. Quanto maior for o amor que se tem a Deus, mais ela se desenvolve e mais se ama também os irmãos. Por isso, hoje em dia, entende-se “caridade” como “fazer caridade”, ajudar aos outros. Na verdade, a verdadeira caridade é o amor a Deus que se expande para os irmãos.

Qual é o caminho para aumentar a caridade nas primeiras moradas?
Nesse início de via ascética, o grande desenvolvimento é o da fé. Depois vem o “limpar o caminho” para a esperança e, só então, as primeiras e tímidas manifestações da caridade. Assim, nessa fase da vida espiritual, precisa-se, primeiro, treinar amar a Deus por si mesmo, não porque possamos ter algum benefício com isso. Em segundo lugar, esforçar-se por amar o próximo por causa de Deus, e não porque gosta ou desgosta das pessoas com quem se convive. Portanto, é fundamental para o crescimento da virtude da caridade, nessas moradas, alimentar fortemente o amor a Deus e evitar ao máximo possível, combatendo duramente o pecado mortal.

Os dois sacramentos descritos no artigo anterior são o caminho certo para realizar esses dois passos e providenciar, portanto, o aumento da caridade.

No próximo artigo, veremos como Deus age diretamente em nós nas primeiras moradas por meio da infusão dos cinco primeiros dons do Espírito Santo. Eles são ferramentas que permitem a Deus atuar diretamente na construção da santidade em nós.

*Flávio Crepaldi