5 de outubro de 2024

PALAVRA DO PASTOR – Dezembro de 2023

GRATIDÃO POR UMA MISSÃO E SEUS EFEITOS EM MINHA VIDA

Começo pela passagem dos anos 80 para os anos 90. Lá estava eu no Centro Diocesano de São Mateus, no Curso Fé e Vida, para os cristãos leigos daquela Igreja Particular. Lá estavam também alguns seminaristas a me obrigarem a pensar na minha opção definitiva de vida vocacional, algo que me inquietava há muito tempo. Não teve jeito. No ano seguinte, tomei a minha decisão e entrei para o Seminário Propedêutico João XXIII, na minha cidade natal, Nova Venécia.

Os anos passaram logo. 1990 – Propedêutico em Nova Venécia; 1991 – 1997 – Estudos de Filosofia e Teologia em Carapina, município da Serra, na Grande Vitória do ES; 1998 – Estágio Pastoral e Ministério Diaconal em Águia Branca; 1999 – primeiro ano de Ministério Presbiteral em Montanha-Mucurici e Vinhático; 2000-2003 – São Mateus: Vigário Paroquial da Catedral e Reitor do Seminário Propedêutico João XXIII; 2004 – 2012 – Manoel Plaza, Serra – Reitor do Seminário Maior da Diocese de São Mateus; 2013 – Pároco meteórico de Barra de São Francisco. Digo meteórico, pois antes de completar o primeiro ano, a Eleição para Bispo em Crateús, no dia 06 de novembro daquele ano; 2014 – 2023 – Bispo diocesano de Crateús.

Como dito, há dez anos vivo a minha missão nestas terras dos Sertões de Crateús e Inhamuns, no semiárido cearense, no meio de uma gente muito amada. De início, só meu Deus sabe o quão difícil foi acolher o serviço do episcopado, “deixar para trás” família, mãezinha idosa, um presbitério que me formou e que ajudei a formar; uma igreja que me evangelizou e que eu bem conhecia; muitos amigos, a terra natal. Um filme passa na cabeça da gente. E depois, olhando para frente: o que vou encontrar? Como coordenar uma diocese? Adaptarei à vida no sertão? Quem encontrarei por lá? Como serão os padres? Por que justamente eu?

Nos dias que precederam a minha ordenação episcopal, muita chuva caiu nas terras capixabas. Cidades inundadas, inclusive aquela onde eu seria ordenado (Nova Venécia) e aquela em que habitava (Barra de São Francisco). Seria o prenúncio de um “naufrágio” mais adiante, ou de “fecundidade” na nova missão? A multidão, aos milhares, prevista para a celebração, reduziu-se a poucas centenas. Também isso teria alguma mensagem que já apontava para a grandiosidade da simplicidade que me aguardava?

04 de janeiro de 2014. Sou apresentado em Crateús-CE. Já dois dias antes, na chegada, que já passava da meia noite, tomei o primeiro bendito susto: uma multidão tomava conta das ruas da cidade, praça e catedral, para acolher o seu bom pastor que chegava, e que tanto pediram a Deus. Era impressionante o amor por esta figura do pastor. Nunca tinha visto nada igual. Ao mesmo tempo que isso me alegrava, enchia-me ainda mais de medo, pois pensava: serei eu mesmo, Senhor, este bom pastor que eles te suplicaram? Não te enganaste na escolha da tal lista tríplice? Chego a pensar na possibilidade de o Senhor nem tê-la visto.

Era tudo novo: rostos, padres, estruturas, paróquias, religiosas, seminaristas, rituais, bispos, compromissos. Mas, aos poucos, fui percebendo que estava de novo em casa, em família, na mesma Igreja. 78 dias depois da chegada, o Pai do Céu manda avisar-me que, aquela com quem eu mais haveria de preocupar-me pela distância e saúde, estava agora com ele, na glória. Minha mãe Aurora, viúva há sete anos, fizera sua páscoa definitiva. Foi outro “pé de briga” com Deus. Mas, a partir daquele dia, ganhei muitas “mães”, que se prontificaram a “cuidar” do pastor órfão. Dona Aurora se multiplicou em muitas outras “auroras”.

Tudo na minha nova vida e missão foi se revelando “dom” de Deus. Sou profundamente grato a Ele por estes dez anos de missão nestas terras nordestinas, neste semiárido brasileiro. Posso afirmar que “minhas” ovelhas têm me ajudado a ser aquele bom pastor que suplicaram a Deus; se ainda não isto, com certeza numa pessoa um pouco melhor. Se ainda não sou o bom pastor que desejavam, é por culpa minha e não por causa delas.

Tenho testemunhado tantas expressões de fé e de santidade por estas terras. Aquela santidade “ao pé da porta”, da qual nos fala o Papa Francisco; da santidade comprovada pelo testemunho de quem já partiu: Pe. Alfredinho, Dom Fragoso (Crateús), Pe. Helênio (Tamboril); Diácono Manuelzinho (Parambu), e de leigos (as) como Raimundo Freire (Ipueiras), Rosa Morais, dona Delite, Sr. José Rosendo (Crateús), dona Neném (Independência); Sr. Lindoso (Quiterianópolis), do jovem Wanderson (Nova Russas) e do anjinho Jacob e de Dona Caçula (Crateús). Outros igualmente santos (as) que continuam entre nós, como dona Virgínia (Monsenhor Tabosa), Chico Pinheiro (Crateús), dona Vilanir (Tauá), dona Dadite (Parambu), Expedito (Ipueiras), Teresinha (Crateús), Margarete (Poranga/Bélgica), etc., etc., etc.

O Senhor Deus presenteou-me com uma Igreja que busca, acima de tudo, ser uma igreja com cara de povo e preocupada com a libertação integral das pessoas, empenhada na defesa e promoção da vida. Quantos e quantos homens e mulheres, idosos, adultos, jovens e crianças empenhados na missão. Como não lembrar com alegria um Roginaldo, Gilvan, Dr. Arteiro, Ramos, Lucas, Jucelino, Bruno, Pedro Vítor, Diego, Jackson, Delano, Éder, Rafael, Rogério, Carlinho; uma Gonçalinha, Chiquinha, Cleide, Dulce, Aldinha, Aninha, Sívia, Ana Rute, Iracema, Francisca, Claudete, Socorro, Ane, Maria Brás, Paulinha, Eulália e tantos e tantas outros.

E o que dizer do coração generoso do homem e da mulher sertanejos? Sem palavras. A partilha é uma palavra não só muito pronunciada, mas também muito comprovada por aqui: festejos, encontros, ações emergenciais, solidariedade no dia a dia. É bonito de se ver. É gostoso de se experimentar. É lindo de se celebrar.

Meu coração é “dividido”: de um lado ainda há espaço para os que “deixei” no Espírito Santo (Estado); do outro, há um espaço cada vez mais ocupado por aqueles que o Espírito Santo (de Deus) me fez e me faz encontrar por aqui, no meu sertão. Por isso, que dessa missão brota toda a minha gratidão. Que o Cristo despojado no Presépio, doado em sua Cruz e feito Pão Consumido na Eucaristia me encante e me fortaleça sempre mais!

Obrigado a todos e todas que vieram celebrar comigo tudo isso e muito mais! Um Feliz e Santo Natal a todos (as)!