PALAVRA DA PASTOR – FEVEREIRO DE 2024
CARNAVAL E (ALEGRIA?)
No Brasil, é quase impossível se dissociar o mês de fevereiro da festa de Carnaval. Digo fevereiro, porque
raramente essa festa passa para o início de março.
Não se pode negar o óbvio. Falar de carnaval, para a imensa maioria das pessoas, mesmo aquelas que
praticamente não se envolvem nas festas carnavalescas, é falar de um tempo de alegria. Sem entrar em
julgamentos de cunho moral, realmente, é um tempo marcado pela alegria dos desfiles das escolas de
samba, sobretudo nas grandes cidades, pelos blocos carnavalescos populares de rua, por bailes e matinês, por encontros de família e amigos no churrasquinho, almoços, e mesmo em retiros espirituais silenciosos ou marcados pelo embalo de hinos de alegria.
Segundo uma teoria, a origem da palavra “carnaval” vem do latim “carne vale”, “adeus à carne”, e estaria
ligado ao Tempo da Quaresma, ou pelo menos fazia referência a ele. É que no dia imediatamente anterior
(nos dias) à Quarta-feira de Cinzas, os cristãos se despediam da carne, fazendo boas refeições com fartura
de carne, evidentemente, pois no dia seguinte começava o período da Quaresma, tempo em que os
cristãos se abstêm de comer carne, por penitência.
Tudo isso, só é explicável no ambiente cristão, que acabou por dar origem a uma festa pouco ou quase
nada cristã nos dias de hoje. Isso revela a proximidade entre o sagrado e o profano. Tão próximos que o
profano pode contaminar o sagrado, o cristão, como geralmente acontece.
Mas, isso não nega o fato de o Carnaval ser considerado um tempo de alegria para aqueles e aquelas que
sabem fazer dele uma festa pitoresca de marchinhas engraçadas, de desfiles ornamentados, de outros
ritmos e tradições populares, uma brincadeira de rua, uma festa quase inocente, uma diversão sadia, onde o povo extravasa sua alegria. Mas, só será uma alegria também cristã se não acabar com o fim dos dias de carnaval; se serviu para unir mais os familiares, amigos, até para revigorar as energias e tomar ânimo para as atividades que se seguirão. Mas, sob muitos aspectos, infelizmente, o carnaval tem se tornado também uma festa mundana e profana, cheia de permissivismos, onde campeia o despudor e as orgias, onde se pensa que tudo é lícito, onde a imoralidade é favorecida até pelas autoridades, com a farta distribuição de preservativos, preocupadas apenas com a saúde física e não com a moral, por isso chamada “a festa da carne”. Perdeu aquele sentido de um “adeus à carne”, para se entrar num outro clima de mais recolhimento e de mais penitência. O carnaval tornou-se altamente capitalizado, lucrativo e mercantilizado. E onde o dinheiro impera, não há valor moral, cristão, humano que resista. Esta é a verdade. Por isso, para nós cristãos, a grande festa não é o carnaval, sem desmerecer expressões saudáveis de alegria por parte daqueles (as) que sabem aproveitar bem este tempo; para nós cristãos, a grande festa é a Páscoa, antecedida pela Semana Santa e pela Quaresma, que tem início na Quarta-Feira de Cinzas, o dia imediatamente após o fim do carnaval.
Ajuda-nos a discernir sobre o sentido da verdadeira alegria cristã, as palavras do Apóstolo Paulo
escrevendo aos Romanos, que tinham entre tantos outros hábitos pagãos, a política do “pão e circo” para
alienar os oprimidos pelo seu sistema escravagista: “Não vos conformeis com esse século” (Rm 12,2). E
ainda aos filipenses e coríntios de cultura grega, não muito diferente da romana: “Já vos disse muitas vezes, e agora o repito, chorando: há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o ventre, a glória deles está no que é vergonhoso, apreciam só as coisas terrenas” (Fl 3, 18-19); “Os que se servem deste mundo, não se detenham nele, pois a figura deste mundo passa” (cf. 1 Cor 7, 31).
Fevereiro está aí. E com ele esse tempo do carnaval, mas também de recomeço das aulas e de nossas
atividades pastorais mais intensas, do Tempo da Quaresma, afinal, se diz que no Brasil, tudo começa pra
valer depois do carnaval. Experimentemos o sentido da verdadeira alegria cristã, que vem, não das festas
carnavalescas, mas da riqueza da fraternidade, da solidariedade, comunhão e da vida em comunidade.